Caminhos para se conectar à natureza

Por Lis Leão

O artigo selecionado para este texto aborda como melhorar a relação ser humano-natureza e, portanto, como ajudar a combater o aquecimento do clima e a perda de vida selvagem. Os autores chamam de ‘caminhos para a conexão com a natureza’, que são pautados em:

• Sentidos: perceber e se envolver ativamente com a natureza por meio dos sentidos. Simplesmente ouvir o canto dos pássaros, sentir o cheiro das flores silvestres ou observar a brisa nas árvores, na pele.

• Emoção: envolver-se emocionalmente com a natureza. Simplesmente perceber as coisas boas da natureza, experimentar a alegria e a calma que elas podem trazer e compartilhar os sentimentos sobre a natureza com outras pessoas.

• Beleza: Encontrar a beleza no mundo natural. Simplesmente reservando um tempo para apreciar a beleza da natureza e se envolver com ela por meio da arte, da música ou das palavras.

• Significado: Explorar e expressar como a natureza dá sentido à vida. Simplesmente explorando como a natureza aparece em canções e histórias, poemas e arte, ou celebrando os sinais e ciclos da natureza.

• Compaixão: Cuidar da natureza. Simplesmente pensar no que podemos fazer pela natureza e realizar ações que são boas para ela, como criar casas para a natureza, apoiar instituições de conservação e repensar nossos hábitos de consumo.

Praticamente todas as pesquisas sobre o tema passam por esses caminhos, além do conhecimento, por meio da educação. Esses caminhos apresentam formas abrangentes de relacionamento com a natureza. São intuitivos e amplos e fornecem uma direção simples e um foco em encontrar maneiras criativas de se envolver com os cinco tipos de relacionamentos que são positivos para a conexão com a natureza. 

A conexão com a natureza é um construto psicológico relativamente recente e engloba como pensamos sobre a natureza, nossa relação afetiva com a natureza e até que ponto nos vemos como parte dela.  Ela é importante porque traz benefícios para os humanos e para a natureza; é um fator que melhora o bem-estar mental e aumenta os comportamentos pró-ambientais. A evidência dos benefícios para o bem-estar é tal que se argumenta que a conexão com a natureza é uma necessidade psicológica básica e tem sido considerada sua inclusão no Gallup World Poll (GWP), que é uma ferramenta para tomadores de decisão globais. 

Esses caminhos, segundo os autores, podem ser aplicados em vários pontos, desde atividades individuais na natureza, a programas de engajamento com a natureza, projetos de infraestrutura e currículos escolares, por meio de intervenções que transformem as relações tradicionais de utilidade (ao fornecer alimentos e recursos essenciais para a sobrevivência e o progresso), controle, conhecimento e medo que o ser humano tem com a natureza. 

Pesquisas populacionais no Reino Unido (no Brasil não temos) indicam que o nível de conexão da natureza é relativamente baixo. A natureza significa cada vez menos na vida das pessoas. No entanto, argumenta-se que o caminho do significado fornece uma oportunidade para uma alavancagem profunda à medida que a cultura influencia valores e objetivos, o caminho do significado se refere a relacionamentos mais profundos com a natureza, o uso simbólico da natureza para representar ideias.


Os autores do artigo em análise indicam que considerando a beleza, os sentidos e a emoção, exercícios simples como a observação de três coisas boas da natureza a cada dia durante 5 dias, durante dois meses, mostrou aumento significativo de conexão em relação a um grupo que não praticou o mesmo exercício. Essa abordagem também foi usada com sucesso em uma versão para smartphone que levou os moradores urbanos a notar as coisas boas da natureza. Esses caminhos têm sido aplicados em atividades e programas de experiência de visitantes, a fim de melhorar a conexão com a natureza em casas históricas, jardins e parques e podem ajudar a “ajustar” as atividades existentes ou inspirar novas ideias. 


O desafio parece residir em encontrar evidências sobre a efetividade de diferentes tipos de intervenções baseadas na natureza. Programas tradicionais de aventura ao ar livre parecem não resultar em aumentos na conexão com a natureza embora produzam sensação de bem-estar. É provável que isso se deva ao foco no desafio e na aventura na natureza, e não nas atividades dos caminhos propostos para conexão mas que ainda possa ocorrer em algum grau, ainda que envolva riscos para a saúde. Nos parece, portanto, que a conexão com a natureza depende da nossa atenção e da nossa intenção, muito mais do que simplesmente a exposição à natureza, o que faz todo sentido se pensarmos que é necessário criar um relacionamento saudável entre o ser humano e a natureza, para benefício de ambos.

 

Pensando nisso, no Um tempo com o e-Natureza desenvolvemos um modelo que considera e articula esses e outros aspectos que se distribuem em quatro níveis de experiência que consideramos relevantes para nortearem a investigação e proposição de intervenções baseadas na natureza. 

Fig. 1 – Modelo de Natureza Integrativa – Leão et al 2020.

As atividades que podem compor uma intervenção baseada na natureza para saúde e bem-estar podem explorar um ou mais caminhos e pensamos que sempre um deles tenderá a ser predominante, mas que essas quatro dimensões de experiência devem ser integradas, portanto, quanto mais endereçadas a elas a intervenção for direcionada, os resultados talvez sejam mais efetivos e duradouros.

 Tomemos como exemplo a fotografia. Para o fotógrafo, principalmente se ele estiver voltado à fotografia de conservação, facilmente poderá percorrer os cinco caminhos considerando as quatro dimensões de experiência. Já para quem simplesmente observa a fotografia, a experiência pode ser mais restrita. Mas a beleza e a emoção podem levar a uma experiência interna, o resgate de uma memória, um devaneio, e como nosso cérebro não distingue uma experiência real de uma imaginada, as possibilidades, ainda nessa situação, se ampliam. 

Os autores finalizam a publicação enfatizando que o poder das emoções e da confiança em histórias compartilhadas tem sido usado para reunir milhões de pessoas, inclusive, para criar uma cultura de consumo e, por fim, nos desconectar da natureza, danificando o mundo natural no processo. No entanto, como espécie, nossa história é a natureza e, para um futuro sustentável, a natureza precisa ressurgir como a história humana por meio de valores sociais, estruturas sociais e políticas. E o Um tempo com e-Natureza se alia a esse propósito.

Referência:

  1. Richardson, J. Dobson, D. J. Abson, R. Lumber, A. Hunt, R. Young & B. Moorhouse (2020) Applying the pathways to nature connectedness at a societal scale: a leverage points perspective, Ecosystems and People, 16:1, 387-401, DOI: 10.1080/26395916.2020.1844296