Saúde, Conservação e Pokémons

Por Luciano Lima

Conforme você pode verificar aqui mesmo no site do e-Natureza, são muitas as evidências científicas sobre os benefícios do contato próximo com a natureza para saúde humana. Dentro desse contexto, o distanciamento cada vez maior entre pessoas e natureza, seja por conta da destruição dos ambientes naturais ou pela concentração cada vez maior de pessoas em cidades, pode ser interpretado como um desafio de saúde pública. É importante resgatar aqui o conceito de saúde segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS): “estado completo de bem-estar físico, mental e social”, não apenas o estado de ausência de doenças.   

 Diversos autores (como Whitburn et al, 2019) chamam atenção para o fato que, sob a ótica da biologia da conservação, esse problema é agravado por um círculo vicioso de desafeto com a natureza com consequências desastrosas. Afinal, pessoas pouco conectadas com a natureza se preocupam menos com sua conservação, o que resulta em uma perda ainda maior de ambientes naturais e, consequentemente, ainda menos chances das pessoas terem contato com a natureza. Dessa forma, aproximar pessoas da natureza através de experiências diretas em áreas verdes ou até mesmo promover o conhecimento sobre a biodiversidade, também podem ser vistos como ações efetivas de promoção da saúde. 

 Diferentes estudos demonstram que crianças possuem afinidade e interesse espontâneo por animais. Fato que além de reforçar os benefícios diretos da natureza para saúde dentro da ótica da teoria da biofilia, abre uma janela de oportunidade para promover a conexão e o conhecimento sobre a natureza. Dentro desse cenário, o artigo de Balmford e colaboradores publicado em 2002 na prestigiosa Science, traz importantes reflexões sobre como a falta de contato e acesso a informações sobre a vida selvagem tem sequestrado o interesse das crianças por animais para outros temas.

 O estudo teve como objetivo quantificar o conhecimento de crianças britânicas sobre a natureza do seu país e avaliar se o interesse inato das crianças por animais tem sido influenciado pelo o que os autores classificaram como “biodiversidade artificial”. Para isso os pesquisadores compararam o conhecimento de crianças entre 4 e 11 anos sobre animais e plantas nativos com a capacidade das mesmas crianças de identificar criaturas do desenho Pokémon.

 Os resultados apontam que, independente da idade, as crianças avaliadas desempenharam muito melhor identificando Pokemón do que a fauna e flora nativas da Inglaterra. Crianças na faixa etária dos oito anos acertavam em média cerca de 50% da identificação dos animais e plantas e cerca de 80% dos Pokémons. Com base nesses e em outros resultados os autores apontam duas importantes conclusões derivadas do estudo. A primeira é que crianças tem uma grande capacidade de identificar “criaturas” (sejam naturais ou artificiais). A segunda é os conservacionistas e educadores ambientais estão atrás dos criadores do Pokemón quando o assunto e inspirar interesse.

Por fim, Balmford e colaboradores relacionam seus resultados e conclusões com estudos que apontam relação entre falta de conhecimento sobre a biodiversidade com desconexão com a natureza e resgatam o atemporal pensamento: “pessoas se preocupam apenas com o que conhecem”. 

Referências:

Balmford, A., Clegg, L., Coulson, T., & Taylor, J. (2002). Why conservationists should heed Pokémon. Science, 295(5564), 2367-2367. DOI: 10.1126/science.295.5564.2367b

Lobue V, Bloom Pickard M, Sherman K, Axford C, DeLoache JS. Young children’s interest in live animals. Br J Dev Psychol. 2013 Mar;31(Pt 1):57-69. doi: 10.1111/j.2044-835X.2012.02078.x. Epub 2012 Apr 27. PMID: 23331106.

Whitburn, J., Linklater, W. and Abrahamse, W. (2020), Meta-analysis of human connection to nature and proenvironmental behavior. Conservation Biology, 34: 180-193. https://doi.org/10.1111/cobi.13381