Quanto mais verde melhor – pela saúde mental das nossas crianças

Por Denise Tiemi Noguchi Maki

A relação entre crianças e natureza é quase imediata, afinal, quem é que não tem no seu álbum de infância aquela foto registrando o primeiro encontro com o mar, os pezinhos pequeninos na grama, na areia, por vezes evitando o contato com a textura “estranha”. Quantas histórias nossos pais e familiares contam sobre termos colocado uma minhoca seca na boca (pelo menos me contam isso…), ter encostado na lagartixa que perdeu o rabo, ter enfiado os pés no formigueiro. Quantas vezes os maiores “perigos” pareciam vir da natureza. Fica óbvio que me refiro à crianças da cidade, porque as abençoadas crianças criadas ao ar livre desde pequeninas, estas, sentem-se parte da natureza. A terra aos seus pés, seja com pedrinhas, grama, gravetos não oferece perigo e nem estranhamento. As árvores não precisam ser abraçadas porque sempre estiveram envoltas pelos braços e pernas que escalavam até onde podiam até atingir seu objetivo de alcançar o ninho, o fruto, a melhor vista! Os rios e riachos não eram gélidos ou temidos, eram a diversão garantida, faça chuva ou sol. Ao mesmo tempo, a natureza ensina, sem palavras mas com muito rigor, como se comportar e como não se comportar. Não sabe nadar no rio, fique perto da margem, atenção com os galhos finos que podem quebrar, formigueiro arde e pedra afiada corta. Mas acima do medo, o respeito.

Em meio a uma realidade de pandemia, o que restou do contato, da conexão criança-natureza? Qual o potencial desta relação na saúde mental dos nossos pequenos e pequenas neste isolamento? Que tipo de ambiente escolher para as nossas crianças no seu dia-a-dia em escolas, “jardim” da infância”, creches? Será que estar rodeado de “verde” ajuda?

Um estudo com mais de 59 mil crianças entre 2 e 17 anos, de 94 escolas e jardim de infância de 7 cidades no noroeste da China avaliou a associação entre as áreas verdes ao redor das escolas e o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH), entre abril de 2012 e janeiro de 2013, com análise dos dados em 2019. Todas as crianças do estudo moraram por pelo menos 2 anos nas áreas estudadas.

Os benefícios para a saúde de morar em áreas verdes são conhecidos e estão relacionados a redução de exposições prejudiciais à saúde como poluição do ar e sonora, estimular atividade física, mitigar o estresse mental e aumentar a diversidade microbiana. Estudos anteriores já avaliaram o impacto de morar nestas áreas, mas considerando que em muitos países, especialmente países em desenvolvimento, como a China, as crianças passam a maior parte do seu tempo nas escolas, a maior oportunidade de contato com a natureza era nestes ambientes. Até então, os estudos que investigaram a associação entre TDHA e as áreas verdes foram inconsistentes.

Foram utilizadas escalas validadas para o diagnóstico, avaliação de sintomas e classificação do TDAH, de acordo com o DSM-IV. Foram excluídas crianças com diagnósticos de doenças e condições com maior risco de TDAH como alergias, doenças cardíacas ao nascimento, prematuridade e baixo peso ao nascer.

As áreas verdes ao redor das escolas e jardim de infância foram avaliadas segundo 2 índices de vegetação e solo com imagem de satélite durante o mês “mais verde” e próximo à coleta dos dados.

Fatores sociodemográficos como sexo, renda familiar e possuir cachorro não tiveram associação significativa. Foi observado neste grande estudo transversal de crianças chinesas, que as crianças que estudavam em escolas ou jardim de infância mais verdes apresentaram chances menores de sintomas de TDAH.

Outros estudos em países desenvolvidos como Espanha, Alemanha, Lituânia e Coréia investigaram a associação de sintomas de TDAH e áreas verdes, na sua maioria considerando área residencial ou com amostras inferiores em relação ao estudo comentado. Em geral, houve associação entre maiores níveis de áreas verdes e menor TDAH ou de sintomas de TDAH.

Uma das hipóteses que podem explicar essa associação é a biofilia que sugere que os seres humanos são atraídos pela natureza de maneira inata, ou seja, sem precisar ser ensinado. Portanto, o contato com a natureza é postulado como benéfico para o desenvolvimento e restauração da atenção para o cérebro das crianças.

Um estudo recente em Barcelona encontrou associação entre a exposição ao verde e a melhora em regiões cerebrais relacionadas à melhora da memória e da atenção. Maiores índices de poluição ambiental do ar estão associadas à pior neurodesenvolvimento assim como a sintomas de TDAH e espaços verdes podem reduzir os níveis de poluentes do ar. Da mesma maneira a poluição sonora aumenta os sintomas de TDAH em crianças e as áreas verdes podem ajudar a reduzir o ruído. Populações que vivem ao redor de áreas verdes tendem a praticar mais atividade física, o que pode melhorar o desenvolvimento cognitivo e reduzir os sintomas de TDAH. Além disso, a exposição ao verde tem a habilidade de melhorar a regulação imunológica induzindo o contato microbiano do meio ambiente.

Em plena pandemia, com a necessidade do isolamento social, restrições de circulação, “home schooling”, o excesso do uso de telas, o fato de ser um risco sair de casa, esquecer a máscara, abraçar, beijar, tocar, espirrar, tocar objetos e não lavar as mãos corretamente ou não usar o álcool gel, pode gerar sobrecarga à saúde mental das nossas crianças. Estamos vivenciando o maior experimento do mundo na nossa história moderna e não sabemos todos os efeitos colaterais disso tudo.

Uma meta-análise de 29 estudos realizados nos continentes norte-americano, leste asiático e europeu, na pandemia em 2020, com mais de 80 mil crianças entre 4 e 17 anos (média de 13 anos), evidenciou aumento nas taxas de sintomas de ansiedade e depressão.  De acordo com esta análise, 1 em cada 4 jovens está experienciando aumento de sintomas clínicos de depressão e 1 em cada 5 jovens está experienciando aumento de sintomas clínicos de ansiedade e, comparativamente ao período pré-pandemia, as dificuldades com a saúde mental dos jovens durante a pandemia praticamente dobrou.

Se no longínquo mundo pré-pandemia, a prevalência de TDAH e seus sintomas era preocupante, nesta era da COVID-19 é primordial atuarmos a favor da saúde mental das nossas crianças e adolescentes.

E, como vimos, a Natureza pode ser um potente aliado nesta promoção da saúde mental e prevenção do adoecimento, tanto no ambiente domiciliar quanto no escolar. Talvez possamos fazer escolhas mais conscientes do que realmente importa e ao final disso tudo, teremos a chance de nos reaproximarmos da natureza para que nossos filhos e filhas sintam, percebam que fazem parte dela e que estamos todos intimamente interconectados.

Referências

Yang BY, Zeng XW, Markevych I, Bloom MS, Heinrich J, Knibbs LD, Dharmage SC, Lin S, Jalava P, Guo Y, Jalaludin B, Morawska L, Zhou Y, Hu LW, Yu HY, Yu Y, Dong GH. Association Between Greenness Surrounding Schools and Kindergartens and Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder in Children in China. JAMA Netw Open. 2019 Dec 2;2(12):e1917862. doi: 10.1001/jamanetworkopen.2019.17862. PMID: 31851349; PMCID: PMC6991306.

Racine N, McArthur BA, Cooke JE, Eirich R, Zhu J, Madigan S. Global Prevalence of Depressive and Anxiety Symptoms in Children and Adolescents During COVID-19: A Meta-analysis. JAMA Pediatr. 2021 Aug 9:e212482. doi: 10.1001/jamapediatrics.2021.2482. Epub ahead of print. PMID: 34369987; PMCID: PMC8353576.