Quanto mais passarinho, melhor! A riqueza que vai além da renda…

Por Erika Hingst-Zaher

Já sabemos do potencial da natureza de afetar diversos aspectos da vida dos seres humanos, seja de forma material, ofertando-nos alimentos e matéria prima, ou de maneira não-material, quando consideramos nossa saúde física e psicológica como resultado da interação humana com a natureza.

A plataforma de políticas científicas intergovernamentais para os serviços da biodiversidade e ecossistêmicos – The Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services (IPBES) – é um conglomerado de diversos países (sim, o Brasil é membro) e organizações, centralizado na Europa, que conta com apoio do Programa do Ambiente das Nações Unidas (UNEP) e objetiva fortalecer a interface das políticas científicas com os ecossistemas para conservação da biodiversidade do planeta, considerando o bem-estar humano e o desenvolvimento sustentável, cunhou o termo “Contribuição da Natureza para as Pessoas” – “Nature´s Contributions to People” (NCP) para descrever com exclusividade tais influências e benefícios da natureza para nós.

Considerando a dificuldade de avaliar como aspectos intangíveis, ou não-materiais, contribuem para nossa saúde, muitas pesquisas valem-se de medidas subjetivas de bem-estar ou satisfação, que já nos mostram que população urbana que vive próxima às áreas verdes apresentam maiores índices de satisfação, melhor função cognitiva, menos sintomas de depressão e estresse e menor risco para desenvolvimento de problemas psiquiátricos.

O estudo em questão merece destaque justamente por não apenas considerar medidas subjetivas de percepção, mas de associa-las a dados socioeconômicos de 26 mil pessoas de 26 países europeus com dados macroecológicos, que representam a diversidade de espécies e características naturais da Europa.

O pioneirismo está na utilização de indicadores capazes de quantificar os aspectos naturais com medidas ecológicas da diversidade de espécies, como influentes para o bem-estar humano.

Foram comparados os seguintes grupos de informações: dados de bem-estar humano, extraídos do Questionário Europeu de Qualidade de Vida de 2012 – European Quality of Life Survey (EQLS) – resultantes de entrevistas de pessoas com mais de18 anos que indicam um número entre 1 (muito insatisfeito) e 10 (muito satisfeito) para variáveis que já possuem seus impactos bem estabelecidos na percepção de satisfação, como renda, idade, gênero, área de residência (urbana ou rural), nível de educação, saúde, estrutura familiar, emprego e trabalho voluntário; dados de diversidade das espécies de aves, mamíferos e árvores, características da natureza e do clima europeus, como paisagem, topografia, cobertura verde e azul e a presença de áreas costeiras e/ou protegidas.

Para surpresa de todos, incluindo os responsáveis por esta pesquisa, os resultados apontaram que a riqueza de espécies de aves tem uma associação fortemente positiva com bem-estar e satisfação, semelhante à associação obtida com níveis de renda ou de riqueza monetária.

Esse resultado foi constatado de duas formas, tanto considerando o estímulo multissensorial (visão, audição) oferecido pela presença direta das aves, quanto aspectos da paisagem, que além de proporcionarem impacto estético, acabam atraindo maior quantidade de aves.

Ou seja, a abundância de espécies de aves é tão benéfica para a percepção de satisfação quanto a abundância financeira! Este é mais um argumento para refletirmos sobre valores que realmente importam…

Curiosamente, os resultados não mostram correlação entre diversidade de mamíferos com a satisfação, apesar da já conhecida resposta emocional positiva despertada pelos grandes mamíferos, que nos parecem sempre tão carismáticos – quem nunca se pegou admirando uma foto de um felino na savana africana ou de uma baleia saltando na orla brasileira?

A explicação para estes resultados parece estar na baixa taxa de encontros dos habitantes de cidades com estes mamíferos, que tendem a evitar ambientes urbanos, enquanto pequenos mamíferos são noturnos e difíceis de serem vistos em geral. As aves, por outro lado, são percebidas pelos humanos mesmo que não as vejam, já que seus cantos são facilmente captados pela nossa audição, além de serem diurnas e frequentemente muito ativas, mesmo em áreas urbanas.

A outra surpresa revelada por essa pesquisa é a ausência de correlação entre a diversidade das árvores e a percepção de satisfação e bem-estar. Tal resultado parece sugerir que é a estrutura geral da vegetação, e não as árvores em si, que podem indicar diversidade natural e resultar na relação positiva já bem conhecida com o bem-estar.

Mais uma vez, cabe a pergunta: E por que isso é importante?

A resposta é simples: Além de instigar a reflexão sobre qual é nossa “maior riqueza”, pesquisas como essa, com dados de milhares de pessoas, servem para apontar o caminho a ser seguido por políticas públicas, tanto de saúde, quanto de preservação de meio ambiente, e ratificar o relevante papel da diversidade e abundância de espécies para o bem-estar humano.

Cabe a nós, humanos, apenas UMA espécie dentre tanta diversidade, tomarmos conta da nossa responsabilidade diante desta conservação e concretizarmos a associação encontrada nesse e em outros estudos: a riqueza da natureza também é nossa riqueza.

Referência: 

Methorst J, Rehdanz K, Mueller T, Hansjürgens B, Bonn A, Böhning-Gaese K. The importance of species diversity for human well-being in Europe. Ecol Econ, 181, 106917 (2021). https://doi.org/10.1016/j.ecolecon.2020.106917