Natureza em ambientes internos e efeitos restauradores

Por Lis Leão

Desde que a pandemia iniciou e teima em não ter mais fim, a população não só no Brasil, mas em todo o mundo, se viu obrigada a adotar medidas mais restritivas de circulação e contato social. A nova rotina de confinamento, o home office tem reduzido de forma significativa a convivência e a utilização dos espaços externos e, consequentemente, o contato com ar fresco, luz natural, menos contato com a natureza, mesmo aquela, já limitada para quem vive em grandes centros urbanos.

Somado a isso, existe ainda uma sobrecarga de notícias sobre a pandemia; a ansiedade acumulada ao longo dos meses; as mudanças na rotina de trabalho, das escolas, dos relacionamentos; a espera pela vacina que ainda segue para parte da população; um número assustador de mortes e de pessoas enlutadas, fatores esses que geram estresse, e que se tornam agravantes por não termos uma data prevista em relação a quando toda essa situação irá terminar. 

No isolamento social, o que vimos foi a tecnologia ganhar espaço, para o bem e para o mal. Por um lado, possibilitou que pessoas pudessem manter um contato social, mantendo as mais vulneráveis, como os idosos, mais preservados, mas em comunicação com pessoas significativas. Possibilitou ainda, que alunos continuassem a estudar, que o trabalho remoto pudesse se desenvolver, permitiu a realização de eventos online (científicos, culturais e sociais), assim como vimos nossas vidas serem inundadas por apresentações ao vivo que proliferaram exponencialmente, sobre os temas mais diversos, em uma agenda quase que insana. Digo insana, porque para a Associação Brasileira de Psiquiatria, um novo fenômeno vem sendo considerado em termos de saúde mental, a chamada “fadiga do zoom”, que gerou um aumento da prescrição de psicotrópicos decorrentes do elevado número de queixas decorrentes do excesso de trabalho por videoconferência e encontros virtuais. 

As casas, antes tidas como um refúgio de descanso após um dia estafante de atividades perdeu seus limites. Os horários perderam seus limites, a privacidade, de certa forma, perdeu seu limite. Sem tempos de deslocamentos entre uma reunião e outra, o tempo em frente a uma tela, ainda que não medido, com certeza passou a extrapolar a média estimada há quase uma década, de mais de sete horas e meia por dia, para indivíduos entre 8 e 18 anos em relação ao uso de um ou mais tipos de mídia (TV, telefones celulares, computadores), e em número maior ainda de horas para os adultos. Sem dúvidas, isso há que ter um impacto sobre nossa saúde, ainda que não saibamos estimar exatamente a sua magnitude e a melhor forma de lidar com essa situação para prevenir ou se recuperar dos eventuais prejuízos. Mas os estudos sobre a natureza parecem apontar um caminho.

Pesquisadores já demonstraram que quatro dias de imersão na natureza e a correspondente desconexão de multimídia e tecnologia aumentam o desempenho em uma tarefa criativa de solução de problemas. Mas agora, com as viagens de lazer comprometidas, com os diversos tipos de confinamento, com a superexposição à tecnologia (em que desconectar parece praticamente impossível), qual seria então, uma alternativa para restaurar a atenção e diminuir a fadiga mental?

O artigo comentado a seguir é uma revisão sistemática (considerado como o melhor nível de evidência científica) sobre os benefícios de se observar a natureza em ambientes internos, por meio da estimulação visual de elementos ou representações da natureza. Trinta e sete artigos que compõem essa revisão foram analisados sintetizando evidências dos efeitos fisiológicos e benéficos da visão da natureza. 

A maioria dos estudos que utilizou estímulos de exibição, como fotos, imagens 3D, realidade virtual e vídeos de paisagens naturais, confirmou que a visualização de cenários naturais levou a respostas corporais mais relaxadas do que visualizar outros objetos não relacionados à natureza utilizados como controle. Estudos que usaram estímulos reais da natureza relataram que o contato visual com flores, plantas verdes e materiais de madeira também resultaram em efeitos positivos nas atividades cerebrais. Assim como as pessoas relatam se sentir relaxadas em ambientes florestais, como indicam os estudos sobre banhos de floresta japoneses, benefícios semelhantes foram observados imediatamente quando expostas a ambientes internos de floresta como árvores e visão de vegetação circundantes, ainda que contempladas a partir de uma grande tela de plasma. Efeitos restauradores sobre frequência cardíaca foram revelados de forma mais significativa quando estudantes universitários observaram duas cenas que mostravam um gramado sem pessoas e um pequeno lago em comparação com uma cena de praça pavimentada com ou sem pessoas. Mesmo cenas urbanas verdes foram capazes de reduzir estresse de estudantes universitários submetidos a uma tarefa estressante. Isso demonstra que fotografias ou cenas de realidade virtual (VR) de natureza, apresentam potenciais efeitos restauradores, como a desativação de áreas visuais e atencionais do cérebro com consequente alívio do estresse.

Observar plantas verdes, como plantas de folhagem, em um ambiente interno pode promover resultados de saúde positivos com maior estabilização da atividade do nosso cérebro, produzindo sensação de relaxamento. Flores frescas também produzem maiores resultados do que flores artificiais em parâmetros emitidos pelo corpo compatíveis com relaxamento. Isso fala a favor de uma qualidade do estímulo que é reconhecida pelo cérebro.

Os autores, entretanto, chamam a atenção para as limitações desta revisão sistemática indicando que para generalizar os efeitos da natureza, é necessário comparar ambientes naturais e não naturais em geral, o que ainda tem sido pouco explorado. Além do que, a maioria dos artigos apresentados na análise utilizou amostras pequenas, ou seja, as pesquisas foram conduzidas, com pequeno número de participantes. Na nossa análise, outra limitação do estudo diz respeito ao fato das medidas fisiológicas terem sido discutidas de forma isolada, sem considerar as questões afetivas que envolvem a contemplação da natureza, real ou não, em ambientes internos e que pode influenciar os efeitos observados. 

Pensando em como transpor achados científicos de estudos, como os mencionados, realizados em condições experimentais para a vida real, podemos imaginar que as flores, plantas, animais de estimação e outros elementos naturais que habitam as casas das pessoas, já foram previamente escolhidos e, muito provavelmente, foram escolhidos por causarem sensação de bem-estar aos seus proprietários. Eles podem ter sido (ou virem a ser) selecionados por uma gama de fatores, que vão desde padrões estéticos a graus mais profundos de relacionamento e conexão. Queremos dizer com isso que uma orquídea, por exemplo, pode ser considerada uma bela flor decorativa para uns, algo que é uma fonte de cuidados para outros, ou ainda, ambas as características podem ser consideradas por uma mesma pessoa. E as possibilidades não se esgotam aí. Este, portanto, parece ser um aspecto que também deve influenciar os possíveis benefícios da sua contemplação, a partir de uma relação de conexão existente que merece ser investigada. A conexão com a natureza, que é um dos pilares do Um tempo com e-Natureza parece constituir um elemento-chave neste processo contemplação-efeitos restauradores, cujo um dos caminhos para al tem sido traduzido pela nossa equipe no seguinte lema: parar, observar, apreciar a natureza, ainda que em ambientes internos.

Referências:

Atchley RA, Strayer DL, Atchley P (2012) Creativity in the Wild: Improving Creative Reasoning through Immersion in Natural Settings. PLoS ONE 7(12): e51474. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0051474

Jo H, Song C, Miyazaki Y. Physiological Benefits of Viewing Nature: A Systematic Review of Indoor Experiments. Int J Environ Res Public Health. 2019 Nov 27;16(23):4739. doi: 10.3390/ijerph16234739. PMID: 31783531; PMCID: PMC6926748.